Estou tão fora de mim, não estou aqui, presente neste exato momento. Por onde andará minha alma, senão se distraindo, inventando, idealizando, sonhando com dias de mais sol? Mesmo quando preciso que ela retorne a este corpo cansado, amassado e requentado, ela some, sai dançando por aí. Talvez ela não queira dividir espaço com tantos amontoados de preocupações, rugas prematuras neste adormecido interior. Talvez ela não queira continuar sendo ignorada na correria desse cotidiano, ser mera coadjuvante na relação de prioridades, sempre tão imediatas. Mas confesso que queria recusar, fazer hora, mas a vida não para.
Nessa cidade de doze milhões de histórias, desses agrupados nesses aglomerados suspensos, engarrafados nesse trânsito caótico e vibrante, organizados desorganizadamente à espera de seu destino, anônimos e irrelevantes uns aos outros, vejo um convívio de realidades tão distintas, realidades paralelas, nunca se cruzando por aí por um acaso. Não consigo mirar cada rosto dessa multidão parada no cruzamento esperando o sinal apontar que podem passar em relativa segurança. Não consigo apontar até onde vai essa fila de carros, essa procissão de gente. Talvez eu possa me desculpar pela estupefaciência, já que de onde eu venho chamam de interior e a gente consegue reconhecer um ou outro na rua. Aqui todos são desconhecidos, figurantes uns dos outros, descartando uma aproximação por precaução, por distração. O tempo acelera, pede pressa, enquanto as sirenes das ambulâncias sibilam e pedem passagem.