Tevez é o mais notável craque de sua geração
Maurício Barros
Não tenho certeza absoluta, mas quase. Está na margem de erro. Então, arredondando, fui o primeiro jornalista do sistema solar a entrevistar Carlos Tevez quando ele chegou ao Brasil, vindo do Boca Juniors para o Corinthians. Outro daqueles furos que me empurraram ao ostracismo. Fiz ao Apache apenas uma pergunta, “Tevez, tudo bem?”, apertando sua mão que me foi estendida frouxa e rápida. Ele soltou algo ininteligível e se preparou para o que havia sido acordado com seu empresário: faria a foto para a edição de capa da revista Placar, onde eu trabalhava como repórter e editor. Só a foto, apenas a foto. Ok, eu havia me preparado encomendando o perfil ao portenho Elías Perugino, mítico editor da El Gráfico, velho parceiro nosso. Então, nada de perguntas. Mas, tinhoso, roubei aquele “tudo bem?” (yes!!).
Era o início de 2005 e Carlitos chegava ao Timão trazido pela grana da MSI, de Kia Joorabchian e sabe-se lá de mais quem. O Corinthians fazia a pré-temporada no interior paulista, no centro de treinamento do ex-jogador Paulo Sérgio, aquele mesmo da seleção do tetra, e o argentino se juntava ao elenco. Eu e o fotógrafo da revista, o bugrino Alexandre Battibugli, esperamos um tempão na recepção com o set de luz montado. Tevez chegou, botou a camisa do Corinthians, Batti fez dois cliques. O terceiro já saiu com Carlitos de costas arrancando a camisa para sumir hotel adentro. Tínhamos duas poses. Tevez sério e Tevez sorrindo. Ambas as expressões eram exatamente iguais.
Tive a sensação de estar diante de uma espécie de Homem de Neandertal, um elo perdido da evolução, algo entre o macaco e o magnífico Tony Ramos. Não entendi uma palavra do que ele disse para os sujeitos que o acompanhavam. Era uma língua gutural, meio celta, meio índia, meio Tonho da Lua. Eu ainda não sabia, mas estava ali diante do que eu mesmo definiria dez anos depois como o mais admirável jogador de futebol de sua geração – em âmbito planetário.
Do Boca ao Corinthians, daqui pro West Ham, de lá para o Manchester United, deste ao rival City, dali para a Juventus. Esse sujeito conseguiu feitos notáveis em todos esses clubes. Todos. Vá no Itaquerão e veja quantos vestem a 10 do Carlitos. Uma entrega absoluta, uma dedicação extrema, sem falar na técnica, velocidade, poder de definição. E olha que aprontou – os do United torcem-lhe o nariz porque virou casaca, mas durante sua estada nos Reds, era só frisson. Tevez tem uma capacidade de se fazer querido, de se identificar com o torcedor como pouquíssimos no futebol.
Ele oscilou na carreira? Sim. Ele não reproduziu na seleção argentina esse sucesso que alcançou nos clubes? Sim de novo. Ele joga menos que Messi, Neymar e Cristiano Ronaldo? Sim, hat trick! Mas eu olho mais longe, no “universo do simbólico”, como dizia uma amiga minha, hoje pedagoga elegante de Peruíbe.
Isso merece destaque
Aos 31 anos, Tevez atingiu a plenitude de sua forma técnica. Fez uma temporada excepcional pela Juventus. E mostrou que também chegou à maturidade de espírito. Porque, ao ser disputado pelos gigantes da Europa, entre eles o PSG, que seria capaz de mandar a Torre Eiffel para Turim de brinde, Tevez decidiu: “Voy a Boca. Es donde me siento feliz”. Optou pelo que realmente importa nessa vida.
Desde sempre Tevez é um filho de Forte Apache, a comunidade periférica de Buenos Aires onde cresceu. Nunca escondeu suas origens. Bicho autêntico. Me lembro que, lá pelos 25 anos, ele dizia que não ia jogar além dos 29, 30, porque não aguentaria mais tomar tanta pancada e ficar longe da família, dos amigos, do seu país. Claro que não cumpriu, segue jogando, porque é autêntico mas não é doido. Só que voltou pra casa. Para jogar no clube que ama. Ele não fez isso na decadência, como é comum entre tantos. Fez no auge.
Esses dias, Tevez foi a um programa de TV em Buenos Aires. O momento mais emocionante foi quando falou de sua intimidade. “Tenho uns seis amigos que são os de sempre. Só três têm emprego. Quando a gente sai, eles não me deixam pagar nada”, disse, entre lágrimas genuínas. Emocionante. Que sorte ter um sujeito assim jogando pelo seu time – certo, bando de loucos?
Fonte: Blog do Maurício Barros (ESPN)