22 dias de Dilma Roussef no Doi-Codi – 12

22 dias de Dilma Roussef no Doi-Codi (parte 12)

Luís Cláudio Cunha

 

Centro de serial killer

Os dois centros clandestinos de morte, em Marabá e em Petrópolis, assinalam a opção irremediável do Exército pelo cipoal emaranhado da exceção, na floresta amazônica, e pela escalada íngreme da crueldade, na serra fluminense.

“Não se confundem com quartéis nem com delegacias de polícia. A criação e funcionamento desses centros eram resultado de uma política definida pela FFAA”, explica Starling, que merecia ser ouvida ou lida pelos comandantes antes que produzissem aquele fiasco escrito.

“Tratava-se de uma política de Estado, e não apenas de excessos ou acidentes”, completa o advogado e coordenador da CNV, Pedro Dallari. No gráfico sobre a cadeia de comando da ‘Casa Azul’, montado pela CNV, ficam escancarados os responsáveis da máquina de morte do regime, que ligava desde o Palácio do Planalto em Brasília até os matadores da linha de frente de Marabá.

DoiCodi25

Em termos formais, o avassalador relatório da CNV reconhece a face mais terrível da ditadura brasileira: seus centros de tortura e morte, de fato, não constituíam um ‘desvio de finalidade’.

Na verdade, segundo o relatório preliminar da equipe de Starling, aqueles lugares encobertos de sofrimento e reservados ao assassinato eram a própria essência do caráter serial killer do regime.

Alguns trechos marcantes do documento da CNV:

[…] Os centros identificados estavam diretamente vinculados aos comandos dos órgãos de inteligência e repressão do Exército (Centro de Informações do Exército/CIE) e da Marinha (Centro de Informações da Marinha/CENIMAR), bem como aos organismos mistos de natureza militar e policial – os Centros de Operação e Defesa Interna (CODI) e Destacamentos de Operação Interna (DOI). Todos esses órgãos encontram-se vinculados diretamente aos gabinetes dos Ministros do Exército, Marinha e Aeronáutica. Nem estruturas autônomas ou subterrâneas, nem produto da ação de milícias ou grupos paramilitares; pela natureza dos vínculos de comando, abrangência geográfica e atuação regular, os centros clandestinos eram parte integrante da estrutura de inteligência e repressão do regime militar e obedeciam ao comando das FFAA. […]

Com esse sistema legal adaptado ou criado, o Estado passou a dispor de uma matriz institucional instaurada por um tipo específico de legalidade de exceção, voltada principalmente – mas, não exclusivamente – para as diferentes maneiras de institucionalizar a repressão política sob um regime militar.[…]
A militarização do exercício do poder de Estado, centralizado no governo da União, materializou-se em uma estrutura repressiva ampla, destinada a funcionar como ferramenta de salvaguarda do poder […]

Procedimentos introduzidos pelo Estado na estrutura do aparato de repressão […] demonstram que o regime militar definiu uma política e lançou mão de instrumentos repressivos que expressam uma quebra radical e deliberada com a legalidade de exceção […] São eles:

4.1. A prática da tortura como forma de interrogatório nos quartéis militares, a partir de 1964.

Cabe observar que:

4.1.1. A prática da tortura nos quartéis brasileiros é um procedimento inédito; não
foi utilizado em nenhum outro momento da história do país; […]

4.2. Adoção dos desaparecimentos forçados como estratégia repressiva, a partir do segundo semestre de 1969.
Cabe observar que:

4.2.1. A prática dos desaparecimentos forçados está associada a diversos procedimentos considerados estratégicos pelas FFAA:

4.2.1.1. Encobrir homicídios de prisioneiros políticos;

4.2.1.2. Encobrir uso da tortura em prisioneiros políticos para extorsão de confissões e/ou informações;

4.2.1.3. Provocar incerteza e/ou expectativa nas forças de oposição sobre o destino de militante e/ou de liderança política;

4.2.1.4. Garantir a inimputabilidade dos militares envolvidos na repressão política.

4.3. A criação de centros clandestinos de violação de direitos como órgãos da estrutura do aparato de inteligência e repressão do regime militar […]
Os centros clandestinos foram criados para execução de procedimentos considerados estratégicos pelas FFAA, a partir de uma nova apreciação das forças oposicionistas, realizada pelos órgãos de comando no interior da estrutura de repressão, e iniciada no ano 1970. Nesse contexto, são definidas as atribuições para funcionamento dos centros clandestinos. São elas:

5.1. Executar os procedimentos necessários para desaparecimento de corpos de opositores mortos sob a guarda do Estado. Tais procedimentos incluíam:

5.1.1. Eliminar condições de identificação dos corpos: retirada de digitais e arcadas dentárias;

5.1.2. Eliminar corpos por meio da queima (junto com pneus); do esquartejamento; do lançamento no mar ou em rios;

5.2. Executar procedimentos necessários à prisão e interrogatório de opositores políticos já condenados pela política de extermínio. Tais procedimentos incluíam:

5.2.1. Evitar o reconhecimento da prisão de opositor político pelos órgãos de repressão;

5.2.2. Impedir o ingresso do preso nos esquemas judiciais previstos pela legalidade de exceção;

5.2.3. Criar condições necessárias para suporte e execução da política de extermínio […]

5.4. Criar condições necessárias para alojamento provisório de agentes envolvidos em operações clandestinas;

5.5. Garantir a inimputabilidade dos agentes envolvidos com o aparato repressivo. […]

Poucas vezes se produziu e se leu, na esfera do Estado brasileiro, um documento tão objetivo, tão veraz e tão contundente sobre os desvios institucionais do próprio Estado e seus agentes, atuando sob uma diretriz programada de violência focada em graves violações de direitos humanos que deveriam ser protegidos, não vilipendiados pelo Estado, revelando assim a face agressiva do poder e o carater agressor da ditadura.

Contra os fatos e argumentos recolhidos com esforço e seriedade pela CNV, as FFAA respondem com o gesto calculado da omissão, o tique enervante do silêncio e a recorrente tática do ‘nada consta’.

 

O repórter LUIZ CLÁUDIO CUNHA, reconhecido como Notório Saber em Jornalismo pela Universidade de Brasília, ganhou projeção ao denunciar, em 1978, o sequestro de uruguaios pela Operação Condor em solo brasileiro. Desde então, ocupou postos de peso na carreira, como a direção em Brasília das sucursais das revistas Veja e IstoÉ e do jornal O Estado de S.Paulo. Quando consultor da Comissão Nacional da Verdade, foi afastado em julho passado por criticar a postura de alguns de seus integrantes e apontar a falta de empenho do ministro da Defesa e dos comandantes do Exército e da Marinha no esclarecimento de crimes da ditadura.

Fonte: Jornal Já

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