22 dias de Dilma Roussef no Doi-Codi – 13

22 dias de Dilma Roussef no Doi-Codi (parte 13)

 Luís Cláudio Cunha

Tortura ao pé da rampa

DoiCodi26

A cadeia de comando que envolveu todos os degraus do poder no regime militar, da Presidência da República ao guardinha da guarita do DOI-CODI, ficou ainda mais evidente com um documento que transcreve cerca de 20 horas de depoimentos de mais de 30 jornalistas submetidos a interrogatórios e torturados em instalações militares do Distrito Federal.

O material inclui o surpreendente relato de quatro jornalistas à Comissão da Memória e da Verdade do Distrito Federal, criada pelo Sindicato dos Jornalistas da capital: Alexandre Ribondi, Armando Rollemberg, Romário Schettino e Hélio Doyle, os dois últimos ex-presidentes do sindicato brasiliense dos jornalistas, revelaram ter sido sequestrados, vendados e agredidos por militares em Brasília no Governo Médici.

Não chegava a ser um desvio da rotina do regime. O espantoso é que tudo isso aconteceu na Esplanada dos Ministérios, a apenas alguns metros do Palácio do Planalto, confirmando as evidências de que as graves violações de direitos humanos não eram excessos dos porões, mas prática tolerada e estimulada pelos escalões estrelados do núcleo do poder.

Em circunstâncias parecidas e épocas distintas, os jornalistas contam ter sofrido torturas no sub-solo dos prédios da Marinha e do Exército na Esplanada, quando ainda mantinham o status de Ministério. Em linha reta, da rampa do Planalto do presidente Médici até a entrada do ministério do general Orlando Geisel, são exatos 1.068 metros de distância na Via S1 do Eixão Monumental, que concentra o poder federal. Outros 93 metros à direita, no prédio ao lado, estava a Marinha do almirante Adalberto de Barros Nunes. Essa ilustre vizinhança ministerial não inibiu as violências do regime em seu quintal mais nobre. Ao contrário, parece ter acobertado.

Conta Alexandre Ribondi:

“…fatos de 1973. Fui preso saindo da biblioteca da UnB. Fui encapuzado e levado para um lugar onde… Ao entrar você descia uma rampa, ao sair subia uma rampa. Um sino tocava no prédio do lado, o da Aeronáutica… Fui torturado, passei por tortura durante dez dias… Fiquei encapuzado, acho que as outras pessoas na cela também ficaram, havia quatro ou cinco pessoas… Fiquei com o capuz e tive sessões de interrogatórios… Eu pedia muito para ir ao banheiro, porque dentro do banheiro eu podia tirar o capuz… Levei choque elétrico o tempo todo, porrada e uma maldita vareta na canela”.

“Na cela, quando a gente sentava, eles entravam e batiam na canela dizendo que tínhamos de levantar, tinha que ficar de pé o tempo todo… Tinha muito soco, muito tapa e roleta russa…Colocavam o revólver do lado do rosto e rodavam o tambor… Eles batiam muito porque eu não mostrava medo da roleta…Hoje desconfio que nem tivesse bala dentro…O sino fica no Ministério da Marinha. … a referência é a rampa da garagem… havia um quebra-mola no final da rampa…Quando a gente era torturado não havia carro lá embaixo, porque havia a cela de tortura…… O sino foi muito marcante… ele sempre tocava na mesma hora…”

Conta Armando Rollemberg:

“(…)numa sexta-feira de dezembro de 1973. Eu era repórter da revista Veja em Brasília. Recebi um aviso da portaria do prédio, alguém queria falar comigo. Desci e fui abordado por dois homens à paisana. Me deram ordem de prisão. Quando cheguei ao carro, uma Veraneio, fui encapuzado, jogado na mala traseira e levado para um local em que o carro entrava de marcha a ré… como se fosse uma ampla garagem…

Fui colocado de pé, encostado na parede, tiraram o capuz e colocaram um esparadrapo no olho. Permaneci nesse local durante umas sete horas….havia outras pessoas sendo torturadas… ouvia gritos, gente sendo interogada. De repente começou o meu… Recebi choques na ponta dos dedos…

No interrogatório reconheci a voz da pessoa ao lado… Era o Alexandre Ribondi…reconheci pelo timbre de voz, ouvia os gritos dele sendo torturado… sofreu terrivelmente… embora encapuzado, percebia que havia uma rampa de descida e que as coisas ecoavam como se fosse um vão amplo… havia um eco que parecia de uma garagem…”

Conta Hélio Doyle:

“(…) final de 1971, era repórter de O Estado de S.Paulo… Saía de casa no final de tarde com minha mulher quando tive o meu carro, um fusquinha, fechado por duas Veraneios, de onde saíram homens com metralhadora em punho…Nos colocaram na Veraneio, sem capuz, mandaram abaixar a cabeça…Quando chegamos, vi que era o Ministério do Exército…Eu lembro que havia uma rampa improvisada, como se fosse de obra, por fora do prédio do ministério…

Subimos por essa rampa até a sobreloja…havia uma série de caras, todos parecidos com a gente, de barba, à paisana, que eram do Serviço Reservado… Fui colocado em uma sala muito pequena, com vidro, totalmente à prova de som… fiquei ali algumas horas, fazendo absolutamente nada, com muito frio…uma hora o cara me chamou e perguntou se eu sabia porque estava preso. Falei que não, não tinha a menor ideia. Ele disse, você sabe, já foi preso outras vezes.

Eu disse, ué, mas não sei porque estou sendo preso agora. Dessa vez não é você, é sua mulher… Era um inquérito da AP, minha mulher tinha militado na Ação Popular. Fomos levados para o PIC [Pelotão de Investigações Criminais da Polícia do Exército], ficamos lá uns dez dias. Não fui interrogado nenhuma vez, fiquei na cela sem contato com ninguém. Até ser libertado…

Conta Romário Schettino:

“(…)setembro de 1973, em Brasília, foram presas mais de 100 pessoas… fui preso na porta do Banco Central, na saída do expediente…Fui sequestrado por um bando armado com metralhadoras, capuz na cabeça… Me jogaram no banco de trás, algemado, me fizeram abaixar a cabeça com o capuz, tiraram meus óculos… Suponho que me levaram para o subsolo do Ministério do Exército… o que tinha na minha visão era a rampa e aquelas persianas verticais, que eu conseguia ver por debaixo do capuz…”

“Eu ouvia outros presos apanhando, ouvia choros, gritos, era um terror…No segundo dia, veio o choque elétrico. Fiquei completamente nu, tinha um cara que me bolinava, me dava porrada, choque no testículo, nas mãos, tinha aquela maquininha que eu achava um horror…Nesse dia de tortura violenta eu desmaiei…Quando acordei, sentia muita sede, uma sede horrível”.

“Pedi água e um deles ia buscar, quando o outro falou: ‘Não dá água, não. Com a energia que ele tem no corpo, pode provocar uma eletrose’…Fiquei de molho ali um tempão…Fiquei uma semana em uma cela isolada do PIC, suponho que no primeiro andar…Sei porque na cela tiravam meu capuz…estava sem óculos, mas vi que tinha aquele descampado ali no pátio, dava para ver a uma certa distância…”

“O movimento do quartel, o toque de recolher, o toque de chegada do general… Fiquei 25 dias desaparecido, ninguém sabia onde estava…Então, me levaram num camburão para o cerrado, na 313 Norte, e me largaram ali, no meio do mato… me botaram no chão, eu saí correndo…”

As antigas sedes do Exército e da Marinha na Esplanada não estão incluídas entre os locais listados pela CNV como instalações militares utilizadas para violações de direitos humanos nos tempos da ditadura.

O repórter LUIZ CLÁUDIO CUNHA, reconhecido como Notório Saber em Jornalismo pela Universidade de Brasília, ganhou projeção ao denunciar, em 1978, o sequestro de uruguaios pela Operação Condor em solo brasileiro. Desde então, ocupou postos de peso na carreira, como a direção em Brasília das sucursais das revistas Veja e IstoÉ e do jornal O Estado de S.Paulo. Quando consultor da Comissão Nacional da Verdade, foi afastado em julho passado por criticar a postura de alguns de seus integrantes e apontar a falta de empenho do ministro da Defesa e dos comandantes do Exército e da Marinha no esclarecimento de crimes da ditadura.

Fonte: Jornal Já

 

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