22 dias de Dilma Roussef no Doi-Codi – 1

22 dias de Dilma Roussef no Doi-Codi (parte 1)

Luís Cláudio Cunha

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Exército, a Marinha e a Aeronáutica mobilizaram durante quatro meses seus oficiais-generais mais qualificados para desfechar o mais canhestro ataque militar dos últimos tempos no Brasil — fuzilando o bom-senso, torpedeando a inteligência, bombardeando a memória nacional e condenando ao extermínio a verdade segregada nos campos de concentração erigidos pela mentira.

Para atender a um minucioso requerimento de 115 páginas enviado em 18 de fevereiro passado pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), as Forças Armadas (FFAA) reuniram suas tropas para produzir um monumento à insensatez e ao deboche: um palavroso, maçante, insolente, imprestável conjunto de 455 páginas de relatórios militares que não relatam, de sindicâncias que não investigam, de perguntas não respondidas, de respostas não perguntadas e de conclusões nada conclusivas, camufladas em um cipoal de decretos, leis, portarias, ofícios e velhos recortes de jornais falecidos.

Um histórico fiasco que passou em branco pela indolente imprensa brasileira, confinada a um registro burocrático, preguiçoso, sobre o sonso documento de resposta das FFAA.

A maçaroca militar ignorada pelos jornalistas tem de tudo. Tudo para defender o indefensável, para sustentar o insustentável, para dizer o indizível na novilíngua dos generais: nunca houve tortura, nunca aconteceu nenhuma grave violação aos direitos humanos nos quartéis nos 21 anos do regime militar imposto em 1964 pelas Forças Armadas que derrubaram o presidente João Goulart.

A sindicância das FFAA lembra, mais pela tragédia do que pela piada, a histórica charge do humorista e jornalista Millôr Fernandes (1923-2012) na edição de maio de 1974 da revista Veja, que mostra um preso esquálido pendurado na parede de uma masmorra.

Da fresta na porta da cela surge o comentário consolador do carcereiro: “Nada consta”. Por causa da piada, a ditadura sem graça dos generais endureceu ainda mais a censura sobre a revista então dirigida por Mino Carta.

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Os generais repetem, 40 anos depois, a piada de Millor: ‘nada consta’

Em resumo, é a pilhéria que repetem exatos 40 anos depois os militares brasileiros, diante das indagações da CNV sobre tortura e morte em seus quartéis: “Nada consta”.
Para expor esta cômica contradição em termos, que põe em dúvida até a existência da ditadura, os generais brasileiros recorreram a um arsenal de papel concentrado em 268 páginas do relatório da Marinha, 145 da Aeronáutica e 42 do Exército, um conjunto sem serventia que a Comissão Nacional da Verdade fuzilou sem dó nem piedade:

“Deplorável, lamentável”, definiu com firmeza a CNV, em uma desalentada nota oficial assinada pelos seis comissários. Aturdida pela ‘completa incorreção’ da conclusão das FFAA,  a CNV lembrou aos generais distraídos que o Estado brasileiro reconhece desde 1995, por lei aprovada pelo Congresso, as condutas criminosas de militares e policiais durante a ditadura, “incorrendo inclusive no pagamento de indenizações por conta justamente de fatos agora surpreendentemente negados”.

Durante meses, os pesquisadores da CNV, auxiliados por especialistas da Universidade de São Paulo (USP), juntaram documentos, testemunhos e perícias para montar um consistente relatório que prova a ocorrência de graves violações aos direitos humanos nos sete endereços mais notórios da repressão coordenada pelos militares, situados no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco.

São cinco quartéis do Exército, uma base da Marinha e outra da Aeronáutica, com os nomes, sobrenomes, datas, depoimentos e horrores sobre nove casos de mortes sob tortura e outros 17 presos políticos torturados.

Por recato, talvez, a CNV não incluiu entre eles o nome de uma guerrilheira que sobreviveu às torturas em um dos sete endereços que marcam a face mais terrível da repressão brasileira: a rua Tutoia, na capital paulista, sede da pioneira ‘Operação Bandeirante’ (OBAN), sucedida ali pelo sangrento DOI-CODI do II Exército, sob o comando do então major Carlos Alberto Brilhante Ustra.

 

O repórter LUIZ CLÁUDIO CUNHA, reconhecido como Notório Saber em Jornalismo pela Universidade de Brasília, ganhou projeção ao denunciar, em 1978, o sequestro de uruguaios pela Operação Condor em solo brasileiro. Desde então, ocupou postos de peso na carreira, como a direção em Brasília das sucursais das revistas Veja e IstoÉ e do jornal O Estado de S.Paulo. Quando consultor da Comissão Nacional da Verdade, foi afastado em julho passado por criticar a postura de alguns de seus integrantes e apontar a falta de empenho do ministro da Defesa e dos comandantes do Exército e da Marinha no esclarecimento de crimes da ditadura.

Fonte: Jornal Já

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