22 dias de Dilma Roussef no Doi-Codi (parte 7)
Luís Cláudio Cunha
As mortes na escola
Se o arquivo de Golbery não agrada, o Exército poderia recorrer a outra fonte, talvez mais confiável: a própria força do DOI-CODI. Umas das estrelas principais do bando barra-brava da repressão, coronel de Cavalaria Freddie Perdigão Pereira, produziu uma inédita estatística da repressão, que confirma tudo o que o Exército não conseguiu descobrir sobre ele mesmo.
Bastaria ao incansável general sindicante buscar este trabalho na internet no endereço http://www.eceme.ensino.eb.br/eceme/, no ícone Biblioteca da página oficial da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), localizada no bairro carioca da Urca, onde oficiais entre capitão e coronel se preparam para chegar, sem desvios, ao generalato.
Ali é possível ler na íntegra o texto confidencial da monografia 1137 de 30 páginas apresentada em 1978 no curso da ECEME.
No trabalho, o então major Perdigão faz uma simpática biografia sobre os DOI, incluindo na página 28 uma tabela sem precedentes sobre os números de terror e sangue do DOI-CODI paulistano da rua Tutoia em seus primeiros sete anos de vida, tortura e morte, até 19 de maio de 1977.
O levantamento de Perdigão aponta que, naquele período, 2.541 pessoas foram presas pelo DOI do II Exército, 1001 foram encaminhadas ao DOPS para processo, 201 foram destinadas a ‘outros órgãos’, 1.289 acabaram liberadas e 51 foram mortas.
Para aprender na escola: a lista do major Perdigão, do DOI, com as finalidades que o Exército não registrou
Perdigão, falecido em 1997, é um nome mitológico na repressão brasileira. Circulava pelo DOI da Barão de Mesquita, no Rio, e na ‘Casa da Morte’ de Petrópolis sob o codinome de ‘Dr. Nagib’. Frequenta a ‘obra literária’ do “Brasil: Nunca Mais” como notório torturador. Em 30 de abril de 1981, quando aconteceu o frustrado atentado do Riocentro, estava lotado justamente na Agência Rio do SNI.
O general Newton Cruz, chefe da Agência Central do órgão no Governo Figueiredo, admitiu que Perdigão lhe falou do atentado horas antes que ele ocorresse.
A bomba planejada pelo SNI e armada pelo DOI-CODI carioca explodiu minutos antes ainda no estacionamento, dentro do Puma onde estavam dois agentes do DOI do I Exército. Matou o sargento do DOI Guilherme Pereira Rosário, que a levava no colo, e feriu gravemente o motorista ao seu lado, o capitão do DOI Wilson Machado.
Em 2011, 30 anos após o atentado, o repórter Chico Otávio, do jornal O Globo, localizou a pequena agenda telefônica que o sargento Rosário – um especialista em explosivos do DOI – levava no bolso de trás da calça na hora da explosão e que o Exército não registrou na sua resposta cheia de desvios à CNV.
Lá estavam os nomes reais, não codinomes, de 107 integrantes do ‘Grupo Secreto’, organização paramilitar de direita que desencadeou uma série de atos terroristas na tentativa de deter a abertura política.
O bando reunia desde oficiais graduados a soldados, de delegados a detetives, com os contatos do sargento do DOI em setores estratégicos, como o Estado-Maior da PM e a chefia de gabinete da Secretaria de Segurança do Rio, além de amigos ligados a setores operacionais, como fábrica de armamento e cadastros de trânsito.
Na letra P da agenda, depois de Prieto, Pedroso, Paulinho, Pena, Paulo e Pedro Rosa, perfilava-se o nome dele, o Perdigão.
O sargento do DOI no Riocentro: bomba no Puma e agenda no bolso com o nome do coronel Perdigão
O Exército perdeu a oportunidade, agora, de esclarecer à CNV e ao Brasil se a agenda e o ‘Grupo Secreto’ do explosivo sargento do DOI caracterizam ou não um ‘desvio de finalidade’ do DOI.
O desastrado atentado do Riocentro, que o Exército nunca assumiu nem como desvio de conduta, só não se transformou em uma tragédia nacional por conta da incompetência dos terroristas.
No final de abril passado, a Comissão Nacional da Verdade apresentou ao país a pesquisa “Riocentro: Terrorismo de Estado contra a população brasileira”, também disponível no site da CNV.
Lá, com todas as letras que evitam desvios, os comissários concluem que o atentado foi “um minucioso e planejado trabalho de equipe realizado por militares do I Exército e do Serviço Nacional de Informações (SNI) e o que o primeiro inquérito policial militar (IPM) sobre o caso, aberto em 1981, foi manipulado para posicionar os autores diretos da explosão apenas como vítimas”.
Para o coordenador da CNV, Pedro Dallari, o caso Riocentro foi o último de uma série de 40 atentados ocorridos entre janeiro de 1980 e abril de 1981, “que visavam dificultar a abertura política iniciada em 1979 e dar uma sobrevida ao regime militar”.
O almirante Júlio de Sá Bierrenbach, que depôs na CNV sobre o caso, era ministro do Superior Tribunal Militar (STM) quando o inquérito policial militar sobre o Riocentro chegou ao tribunal para ser julgado. O caso já veio arquivado da auditoria militar onde tramitou e o militar da Marinha foi o único a votar contra o arquivamento do processo e pedir que o capitão Machado continuasse como investigado e a apuração, retomada.
Para Bierrenbach, “o IPM (do Riocentro) foi uma vergonha e isso é facilmente demonstrável”.
Ele afirmou considerar absurdas a absolvição e a promoção até coronel que Wilson Machado, co-autor do atentado, recebeu na carreira. “Vítimas, uma ova! Eles fizeram o atentado. O capitão vai ao Riocentro com uma bomba, a bomba explode. O colega morre. E ele é promovido. Isso é um absurdo!”, torpedeou o almirante.
Bomba no Riocentro, acidente de trabalho no DOI-CODI: o sargento morre e o capitão sobrevive
Segundo o relatório da CNV, apresentado pelo gerente de projetos Daniel Lerner, cerca de 20 mil pessoas estavam no Riocentro na noite de 30 de abril de 1981 para assistir um show organizado por Chico Buarque de Hollanda para o Dia do Trabalhador.
O grupo que planejou o atentado conseguiu até que a Polícia Militar recebesse uma ordem para não realizar policiamento dentro do espaço onde ocorria o show.
O repórter LUIZ CLÁUDIO CUNHA, reconhecido como Notório Saber em Jornalismo pela Universidade de Brasília, ganhou projeção ao denunciar, em 1978, o sequestro de uruguaios pela Operação Condor em solo brasileiro. Desde então, ocupou postos de peso na carreira, como a direção em Brasília das sucursais das revistas Veja e IstoÉ e do jornal O Estado de S.Paulo. Quando consultor da Comissão Nacional da Verdade, foi afastado em julho passado por criticar a postura de alguns de seus integrantes e apontar a falta de empenho do ministro da Defesa e dos comandantes do Exército e da Marinha no esclarecimento de crimes da ditadura.
Fonte: Jornal Já