Anacrônico, Roger Moreira reflete a desorientação do pop rock nacional – Parte 2

Anacrônico, Roger Moreira reflete a desorientação do pop rock nacional – Parte 2

Ringue virtual

Não muito tempo atrás Roger Moreira travou um duelo escrito pelo twitter com alguns seguidores a respeito do espinhoso tema policiais x bandidos, onde criticava a gritaria por conta de mais uma ocorrência onde as evidências mostravam que a corriqueira alegação “perseguição com troca de tiros seguida de morte” não se sustentavam – era mais um caso onde tudo apontava para a execução sumária, ainda que houvesse a comprovação de que os “suspeitos” eram realmente bandidos.

Tomei parte nesta discussão e o músico beirou o destempero. Claramente apoiava a ação dos policiais no caso – e que, infelizmente para Roger, ficou claro na época que foi realmente uma execução cometida por policiais militares, sendo que uma das vítimas não tinha passagem pela polícia. Ele ignorou as evidências e não se mostrou envergonhado em demonstrar que não tinha apreço pelos conceitos de que todo mundo é inocente até que se prove o contrário; de que o Estado não pode ter o enorme poder, por meio de seus agentes, de matar desarmados e eventuais criminosos indiscriminadamente; de que o Estado não pode perder o controle sobre os seus agentes de segurança; e de que o Estado não pode patrocinar ações violentas como forma de “política de segurança pública”.

Neste caso, não se trata mais de ideologia ou pontos de vista. Trata-se de conceito de civilidade e de respeito aos preceitos legais e democráticos. Ao atropelar a ética na discussão ética de conceitos  éticos, ficou difícil definir se Roger Moreira se perdeu totalmente, se enrolou com os conceitos e não soube sair da armadilha ou se realmente é um reacionário radical, refratário aos preceitos ético-democráticos que são a característica atual da sociedade brasileira. Não houve declaração explícita, mas ficou a sensação de que o guitarrista do Ultraje não refuta a ideia ainda presente na cabeça perigosa de muitos políticos – e de parcela expressiva da população – de que bandido bom é bandido morto.

No entrevero com Marcelo Rubens Paiva, o contra-ataque mais contundente veio do humorista João Vicente de Castro, do grupo Porta dos Fundos e filho do jornalista Tarso de Castro, figura importante da imprensa dos anos 70 e que foi torturado nos porões da ditadura. “Com toda educação, quero dizer que quem tava fazendo merda era o seu pai, que criou um homem simplista, preconceituoso como você. E não o meu que estava brigando pra você poder botar sua camiseta ‘bem humorada’, seu look de vovô garoto, cantar suas músicas engraçadinhas”, disse o artista.

JCastro

Acomodado e confortável em ser artista coadjuvante em programa que é um programa que é um misto de talk show com comédia stand up, Roger Moreira destila seu ressentimento contra um mundo acelerado, com velocidade estonteante e que coloca em xeque os pilares de seu conservadorismo frágil e superficial.

Em consequência disso, tornou-se um personagem anacrônico, cheio de preconceitos e com pouca paciência para enfrentar questionamentos da vida moderna, recheada de novos personagens complexos, diferentes e até problemáticos, mas com visão mais abrangente e tolerante, como se exige em um mundo tecnológico e repleto de informações cada vez mais relevantes.

Esses novos personagens até admiram a obra do Ultraje a Rigor com suas músicas irônicas e cheias de sarcasmo, mas fica claro que isso não é mais suficiente – como não foi para a geração dos anos 90. A busca por coisas novas e diferentes é um dos preceitos do século XXI, e um dos mais versáteis artistas da geração do rock dos anos 80 parece que ficou sem ter o que dizer muito cedo, haja vista que a banda abandonou o desafio de fazer música nova e de compor coisas inéditas. Contentou-se em ser um mero grupo de apoio a um comediante talentoso (Danilo Gentili) em um programa de TV que passa tarde da noite.

Contemporâneos como Ira!, Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Plebe Rude e até mesmo Skank nunca abandonaram a ambição e o desafio artístico de se manter relevantes 20, 30 anos depois de seu auge, ainda que tenham errado bastante na busca da evolução e de novos caminhos e sucumbido a uma falência criativa na hora de abordar de forma mais incisiva situações político-sociais brasileiras da atualidade.

Mergulhado no anacronismo de sua trajetória atual, onde ganha mais destaque qualquer discussão em redes sociais na qual se envolva, Roger Rocha Moreira flerta perigosamente com a possibilidade de virar uma caricatura de si mesmo. Nada mais anacrônico do que isso, em verdadeira consonância com o agonizante pop rock nacional.

P.S. 1 : O ótimo repórter Julio Maria, do jornal O Estado de S. Paulo, fez uma abordagem interessante em texto publicado no Estadão.com intitulado “Quando o rock nacional tinha voz na política” – título que dispensa maiores explicações. Recomendo a leitura como complemento ao que abordamos no texto acima.

Fonte: Combate Rock

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.