Todos os humanos estão condenados as suas convicções, sejam elas passageiras ou perpétuas. Preso em seu apanhado de verdades, hábitos e manias, cada um funciona como um universo paralelo aos outros humanos, ainda que coexistam. E essa coexistência, esse convívio inevitável, disparam conflitos injustificados, pelo menos ao julgo da lógica, da inteligência e do bom senso. É compreensível que as pessoas pensem, ajam e até ambicionem querer que os demais pensem ou ajam, segundo o que lhe faz sentido. O que seria esse texto sem seu devido fim: comunicar algo a um leitor hipotético? Comunicar é a palavra de nosso tempo. Comunicar sobre o que se pensa, sobre o que se faz, sobre o que gosta, não gosta, enfim, qualquer aspecto em si mesmo que recrie uma imagem, um avatar ambulante no espaço-não-espaço, a fim de estabelecer contato.
A internet, em diferentes sentidos, tem contribuído para a discussão sobre o convívio humano, uma vez que permitiu que diferentes universos compartilhassem do mesmo espaço, o que já não acontece muito no espaço físico-real. Com a crescente e silenciosa (nem tão silenciosa assim) segregação residencial das metrópoles, em que diferentes classes não convivem, espaços que são demarcados pelo poder econômico: gradativamente assistimos a uma endêmica apatia do humano pelo humano. A rede mundial de computadores nos permitiu a quebra de barreiras físicas e geográficas e nos lançou num cenário de desconhecidas possibilidades.
Se por um lado temos uma massa gigantesca de informação, humanamente impossível de processar, temos os catalisadores: as redes sociais, os blogs, os fóruns, onde alguma espécie de comportamento se estabelece e pode ser observado com alguma constância para se chegar a alguma especulação. O que o livre fluxo de informações nos causou foi a certeza de que não estamos sós, que as pessoas pensam e agem de formas e com juízos diferentes. É mais que justificável que sendo uma extensão do espaço real, manipulado por pessoas reais, ainda que num simulacro da realidade, a internet seja um ambiente fértil para conflito. A rede proporciona ao usuário a recriação do seu eu e a possibilidade de expressar-se gratuitamente. Nada foi deixado de fora, nem as ideologias, as questões políticas e sociais, nem os cânceres e recalques de um conceito de moral hipócrita, nunca antes assim tão explícitos na nossa cara.
O que me assusta é constatar, que aquilo que imaginava que o outro pensava, justamente é aquilo que ele pensa ou diz pensar. É claro que temos que ir muito além da superfície dos discursos, para evitar o pecado mortal de nosso tempo: a interpretação errada ou precipitada. E dessa observação clara percebe-se o contraste, um abismo de paradigmas e visões de mundo extremamente opostas e impossíveis de coexistir, mas que coexistem, tanto no espaço virtual, quanto real, ou a junção de ambos, por que não? E é a partir dessa rica informação que deveríamos basear nossa compreensão do mundo em que vivemos. Deveríamos. Mas sinto mais uma vez, como tantas vezes nos decepcionamos, ao longo de nossa História recente, que os homens estão longe de se emancipar de seus instintos autodestrutivos e primitivos de sobrevivência e autoafirmação. Alguns falarão de um homem em sua essência, com todas suas nuanças e paradoxos. Eu chamo isso de burrice, do alto de meu mirante particular, onde a visão pode ser tão contrária quanto a de quem estiver lendo.
Só não entendo como diante de tanta informação, conhecimento e tecnologia que dispomos (e outros tantos antes de mim, já pensaram assim), ainda estamos num estágio tão conturbado de entendimento em relação ao outro. É dessa ignorância escolhida por comodidade(?), covardia(?) e egoísmo(?) que ainda se alimentam tantos vermes sociais. Acredito na ética universal, na lei básica do respeito ao próximo. O gasto slogan de que somos todos iguais não ajuda muito, uma vez que somos todos diferentes. Mas isso não muda o fato de termos direitos iguais nesse mundo, já que fomos sorteados para estar aqui. Pois então se somos tão diferentes, por que a vontade de imposição dos valores de uns sobre os outros? Porque somos diferentes.
Não entendo tanto fascínio pela beligerância e pelo caos, essa fascinação viril pela guerra, pelo combate, que só Freud deve explicar. Qual o ato mais imbecil senão a subjugação de um homem pelo outro por razão de uma arma? É a mais clara demonstração da burrice e da falta de argumentos de alguém que se diz pessoa. Não entendo a febre doentia por poder, o que afinal uma arma confere absolutamente, aquela que masturba a mente de mentes masculinas em filas de filme de ação americano e está em fantasias sexuais femininas. Talvez pela diversão da ilusão, e deveria ser apenas isso. A essa altura as armas deveriam ser artefatos históricos em museus pouco visitados, ou brinquedos. Não entendo a violência, afinal.
Quantos assassinatos em massa teremos que assistir nesse espetáculo dos horrores para percebermos que consentir o comércio de armas é assinar um atestado diário de que a vida humana não vale nada? Quantos gays terão que ser agredidos assim como os negros foram um dia, para estabelecer os plenos direitos de serem o que são? Não entendo a implicância e a vigilância doentia, características dessas psicopatias sociais que se baseiam num misto e incompreensível sistema de valores morais, rediscutidos, renovados, revisitados, mas sempre velhos na essência. Quantos jovens terão que morrer e quanto vale a proibição das drogas, senão a satisfação dos conservadores? Não entendo a imbecilidade humana e a mesquinhez com que se arrasta, transpassa gerações, causando novas vítimas. O que ganham afinal os sentinelas do status?
Depois de tanto “progresso”, tanta desmistificação, tanta elucidação, ainda perduram respostas empoeiradas contra questões novas e desafiadoras. Penso que cada um deva ter o direito de fazer aquilo que queira e que não prejudique a outrem em seu âmbito individual, e que na esfera pública respeite os direitos dos outros cidadãos e cumpra seus deveres. Mas não faz sentido proibir por proibir, maldizer por maldizer, manter a ordem por manter. Penso que muitos ainda não adquiriram a inteligência necessária para desenvolver a mínima empatia com qualquer outro ser humano, a ponto de entender que suas verdades não cabem a todos, que seus conceitos estão ultrapassados, que é preciso deixar a humanidade seguir. Daí surge toda a repressão, o mal estar, e a guerra fria que costumamos curar com placebos de hipocrisia.
Danilo da Silva Tobias
Algumas coisas como ética, luta, bem ao próximo não conseguem entrar no funil que cada ser tem dentro de suas cabeças, trazendo sempre uma forma de facilitar a resolução das coisas, de suas necessidades e comodidade…
Ainda que com crescimento da tecnologia e da facilidade de comunicar o ser humano ira gastar séculos para aprender a utilizar do correto para fazer com que o mundo gire da forma correta.
Penso eu que este dia não chegará pois a cada dia que passa tudo piora cada vez mais…
Meus parabéns amigo Danilo Tobias, seu texto faz com que muitos tomem um tapa na cara e observem a verdadeira realidade do mundo em que vivemos… Orgulho de ter o prazer em conhecê-lo mestre da palavra pensada.