Cinema Brasileiro com Tim Maia e Democracia Corintiana
“Tim Maia” retrata ascensão e queda do maior ícone brasileiro do soul
Neusa Barbosa
Como se diz popularmente, demorou. Dezesseis anos depois de sua morte, finalmente surge uma cinebiografia de um dos maiores e mais polêmicos ídolos da música popular, “Tim Maia”, assinada por Mauro Lima (“Meu Nome Não é Johnny”, “Reis e Ratos”) e que estreia nesta quinta (30).
Nem uma minissérie com vários capítulos daria conta de todos os aspectos da vida do talentoso artista, que nasceu pobre, numa família carioca da Tijuca, com numerosos filhos, em 1942.
Aluno num colégio católico, ainda menino se aproximou da música e da confusão. Porque, desde garoto, Sebastião Rodrigues Maia (Robson Nunes, na juventude) não era de dar mole a ninguém quando perdia a calma. Uma característica que o acompanhou até a morte precoce, aos 55 anos, em 1998.
O talento, no entanto, era diretamente proporcional ao fogo de seu temperamento. Mas ser negro e pobre atrapalhava tudo. Ele passou muito tempo entregando marmitas para sua mãe, atividade que complementava a sobrevivência da família. De quebra, sempre dava um giro numa lanchonete do bairro, onde tomava água de torneira e recolhia eventuais restos deixados pelos clientes.
Mas foi ali mesmo que conheceu músicos que, como ele, se consagrariam depois, como Roberto Carlos (George Sauma) e Erasmo Carlos (Tito Naville). Roberto, inclusive, integrou um dos primeiros grupos ao lado de Tim (ainda chamado Tião), os Sputniks, que teve uma chance num popular programa de Carlos Imperial (Luis Lobianco) —de onde Roberto decolou para a fama.
Roberto Carlos, aliás, tem tudo para se sentir incomodado pela maneira como é retratado no filme —e que obedece, segundo o diretor e corroteirista (com Antônia Pellegrino), a informações constantes da biografia de Maia assinada por Nelson Mota, “Vale-tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia”. No filme, registram-se várias tentativas frustradas de contato de Tim com o agora famoso amigo que, quando finalmente encontrado, esnoba-o por um bom tempo.
Este é, em todo caso, apenas um dos muitos tropeços na acidentada trajetória do cantor, que passaria um tempo nos Estados Unidos, apenas para envolver-se no roubo de um carro e uso de drogas que lhe garantiriam um período na cadeia e uma deportação.
De volta ao Brasil, ele recomeça tudo. Agora interpretado por Babu Santana, vai parar na casa de Fábio (Cauã Reymond) —um personagem fictício, que é uma colagem de várias pessoas que passaram pela vida do cantor e funciona como narrador.
Daí em diante, vêm o sucesso, as drogas, os altos e baixos emocionais, o casamento instável com Janaina (Alinne Morais, também uma fusão de várias mulheres da vida dele), a decadência profissional (houve uma época em que ninguém sabia se ele ia aparecer nos poucos shows que conseguia) até a morte.
São muitas situações complexas e o filme tenta abarcar essas passagens de tempo com diversos cenários de reconstituições de época, em que se sucedem penteados e figurinos, em geral, bem cuidados –marca da direção de arte de Claudio Amaral Peixoto, numa produção com orçamento de 10 milhões de reais.
Se o casting do protagonista é perfeito, nem sempre o acerto se repete com outros personagens —o que é o caso de Mallu, que interpreta numa rápida cena, mas nem se aproxima do que foi a verdadeira Nara Leão (embora tenha uma voz bonita).
Não haveria mesmo forma de dar conta de todo o turbilhão que representaram Tim Maia e sua época. Mas pelo menos o filme é eficiente em não satanizar os aspectos mais controversos de sua personalidade, o que é um mérito de seus dois excelentes intérpretes.
Babu Santana até se arrisca, e se dá bem, interpretando com a própria voz algumas canções, como “Ela Partiu”, “Sossego”, “Azul da Cor do Mar” e “Não quero dinheiro”. Nessas horas, parece até que o verdadeiro Tim baixou nele.
“Democracia em Preto e Branco” recupera elo entre futebol, rock e política
Neusa Barbosa
Dentro da grande quantidade de recentes documentários sobre times de futebol, “Democracia em Preto e Branco”, de Pedro Asbeg, que foi lançado no Festival É Tudo Verdade, destaca-se por ser bem mais do que isso. O filme estreou nesta quinta (30).
Através de entrevistas e material de arquivo, propõe-se a resgatar um momento particular na história recente do país, em que futebol, política e música pop se uniram numa mistura única, num movimento para a derrubada da ditadura militar, na década de 1980. O filme estreia no Rio de Janeiro.
No Corinthians, jogadores como Sócrates, Casagrande e Wladimir viram a chance de mudar as habituais regras e imposições sobre a vida dos atletas com a chegada de um novo diretor, o sociólogo Adilson Monteiro Alves, que possibilitou a implantação de um modelo mais democrático.
Assim, surgiram as discussões para uma escolha conjunta de horários de concentração e treinos, novas contratações e até uma divisão dos ganhos do time que incluísse também profissionais como motoristas, roupeiros, massagistas e outros. E, o que é melhor, dentro de campo o time brilhava.
Bem-informados e ligados ao que acontecia fora dos gramados, os jogadores entravam em campo com camisetas que portavam não só a vinculação com aquela que foi chamada de “Democracia Corinthiana”, como também slogans estimulando o povo a votar naquela que seria a primeira eleição direta para governador, em 1982. E que, logo mais, daria fôlego à campanha pelas Diretas-Já, que tomou as ruas do país com milhões de pessoas em meados de 1984 e é mostrada amplamente em inserções de materiais de arquivo.
Na música pop, por sua vez, roqueiros faziam a sua parte para lutar contra a censura, que procurava impedir os artistas de protestar contra a violência e o arbítrio, contestados em músicas como “Estado Violência”, dos Titãs e “Selvagem”, dos Paralamas do Sucesso, entre vários outros.
Os próprios jogadores corinthianos também mantinham uma estreita ligação com o rock, caso de Casagrande e também de Sócrates —que aparecem numa imagem, comparecendo a um show de Rita Lee (que é a narradora do documentário).
O filme traz entrevistas exclusivas com os protagonistas da Democracia Corinthiana, entre elas uma das últimas feitas com Sócrates (que morreu em 2011), além de personalidades, como os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso; Marcelo Rubens Paiva, Marcelo Tas, Edgard Scandurra, Frejat, Serginho Groisman e Paulo Miklos.