Monopólio da Comunicação é obstáculo para a Democratização

Monopólio da Comunicação é obstáculo para a Democratização

Maurício Thuswohl

SALVADOR – Todos aqueles que lutam pela efetiva democratização da comunicação social no Brasil sabem que têm pela frente um enorme obstáculo a transpor, pois o seleto grupo que controla os principais meios de comunicação do país não nutre a menor vontade política de efetuar qualquer mudança nas atuais regras do jogo, das quais são beneficiários históricos. Com muito dinheiro, influência no Congresso Nacional e no Judiciário e donas de um poder de penetração no imaginário nacional capaz de fazer e destruir reputações (e governos) em poucos dias, essas grandes empresas, ao menos por enquanto, encontram-se imunes às transformações democráticas que estão ocorrendo no país.

A busca por estratégias para enfrentar essa realidade foi o principal foco dos debates iniciais ocorridos na 1ª Conferência de Comunicação Social da Bahia, que acontece até sábado (16) em Salvador. Representantes da sociedade civil, do parlamento e dos governos federal e estadual discutiram o monopólio das comunicações no Brasil e a dificuldade política de modernizar as regras que regem o setor.

Todos concordaram que somente a mobilização popular pode proporcionar reais mudanças. “É uma questão de correlação de forças. Enfrentar essa batalha depende de decisão, depende de ousadia como essa que está sendo demonstrada aqui na Bahia, mas depende, sobretudo, de acúmulo de forças”, disse o jornalista Carlos Tibúrcio, que é assessor especial da Presidência da República. Para Tibúrcio, esse acúmulo em torno das questões da comunicação “vem se dando de maneira progressiva e significativa” no Brasil: “O desenvolvimento de novos meios tecnológicos tem gerado tensões e criado a necessidade de novas formas de relações sociais e de relações de propriedade para um sistema que tem se tornado cada vez mais concentrado e monopolizado por alguns, determinando de maneira muito forte o que a maioria das pessoas lê, ouve e vê”.

Integrante da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, Luiza Erundina (PSB-SP) citou uma luta que se trava nesse momento sem que a população seja informada pela grande mídia: “Agora mesmo, a sociedade civil está fazendo um esforço muito grande para intervir na questão da renovação das concessões das grandes redes de televisão do Brasil. A Globo, a Bandeirantes e a Record são redes nacionais que têm suas concessões vencidas já desde o ano passado e querem renovar essas concessões. Alguns parlamentares da Comissão de Ciência e Tecnologia e representantes da sociedade civil vêm se reunindo sistematicamente, de forma persistente e generosa para tentar influir na definição da renovação dessas outorgas e dessas concessões”, disse.

Erundina reconhece que falta acúmulo político para fazer com que a renovação das concessões para as grandes redes seja feita de forma a atender os interesses do povo brasileiro ou, no mínimo, seja realizada de maneira transparente e discutida junto à sociedade: “Sabemos que o fato de não termos acumulado mais na sociedade, do ponto de vista político, em relação à questão das comunicações nos deixa em dificuldade até para imaginar ser possível a não renovação de uma ou outra dessas concessões”, disse a deputada.

Expectativas reduzidas
Ainda assim, afirma Erundina, a sociedade pode tentar interferir no processo: “Para sermos realistas, reduzimos nossa expectativa e queremos pelo menos discutir as regras, as normas, aquilo que é exigido dessas emissoras que operam esse sistema fantástico e que aumentam sua potencialidade e o seu poder com a incorporação dessas novas tecnologias. A sociedade civil precisa dizer que tipo de comunicação quer no Brasil, quais são as regras que precisam ser seguidas e observadas religiosamente por essas emissoras. Outorga de rádio e televisão é outorga de um serviço público, de um bem público. É um patrimônio da sociedade e do estado brasileiro e, como tal, tem que estar sob o controle, sob a fiscalização e sob o comando da sociedade civil organizada”.

A dificuldade política em lidar com os empresários que monopolizam a mídia no Brasil também foi citada por Tibúrcio: “Os meios de comunicação debatem tudo, menos a realidade deles próprios. É como se a comunicação fosse um tema que não pudesse ser objeto da informação diária do cidadão”, disse, citando em seguida outra discussão pertinente ao setor que não é tratada pelos principais veículos e, por isso, permanece ignorada pela maioria da população: “No Brasil, a legislação permite o que se chama de sociedade cruzada, que autoriza um mesmo grupo de mídia a ser proprietário de veículos impressos, de rádios, de televisão e de portais na internet, exercendo um verdadeiro controle do processo de informação. Isso não é permitido na maioria dos países”.

Para o assessor da Presidência, esse modelo deveria ser rediscutido, mas o tema enfrenta forte resistência por parte das grandes empresas do setor: “Tanto defendem a democracia, tanto defendem a liberdade de expressão, mas não admitem como pressuposto dessa liberdade uma diversidade maior. Isso se explicita em regras e jurisprudências que são criadas e que de certa forma dificultam aos governos tomar atitudes novas que façam florescer ou se fortalecer meios de comunicação alternativos, que não estejam vinculados aos grandes monopólios de comunicação do Brasil e do exterior”, disse Tibúrcio.

Fortalecer a sociedade civil
O fortalecimento na sociedade de iniciativas pela democratização da comunicação social é apontado como o único caminho possível para se romper a forte muralha erguida pelas doze famílias que controlam os principais meios de difusão de informações no Brasil: “A presença das entidades da sociedade civil é o que nos dá fôlego, força e respaldo político para tentar romper com as dificuldades, os bloqueios e os impasses que se colocam, porque não há vontade daqueles que detém o monopólio das comunicações no Brasil para que se avance em torno de um marco regulatório, que se defina uma política nacional de comunicação social”, disse Luiza Erundina.

Carlos Tibúrcio afirmou acreditar que a realização de uma primeira conferência em um estado brasileiro sirva de impulso para deslanchar a organização de uma conferência nacional: “Temos que discutir essa questão fundamental, que é a questão da comunicação no Brasil. Nesse sentido, a Bahia exerce um papel de vanguarda, um papel pioneiro que certamente será seguido pelos outros estados como condição indispensável para que o movimento se fortaleça e consigamos realizar a 1ª Conferência Nacional de Comunicação. O que estamos vivenciando aqui terá sem dúvida nenhuma um papel muito importante no desenrolar desse processo”.

Fonte: Carta Maior (15/08/2008)

A Carta Maior

A Carta Maior é uma publicação eletrônica multimídia que nasceu por ocasião da primeira edição do Fórum Social Mundial, em janeiro de 2001, em Porto Alegre. A escolha da data não foi casual. Os princípios editoriais que norteiam nosso trabalho estão afinados, entre outras coisas, com o ideário que anima o movimento internacional que deu origem ao FSM. Nosso compromisso é contribuir para desenvolver um sistema de mídia democrática no Brasil e, de modo mais amplo, trabalhar pela democratização do Estado brasileiro, pelo fortalecimento da integração sul-americana e de todos os movimentos que lutam pela construção de uma globalização solidária.

De 2001 para cá, a Carta Maior conquistou o respeito não apenas do público leitor, dos movimentos sociais, da comunidade acadêmica, de importantes setores da política e de governos nacionais e dos profissionais da área (inclusive da grande imprensa), mas se tornou uma referência obrigatória de cobertura e análise jornalística crítica de fatos e movimentos ignorados ou distorcidos pela chamada grande mídia.

Entre os colunistas e colaboradores da Carta Maior, estão nomes de destaque da intelectualidade brasileira e internacional, como Antonio Lassance, Boaventura de Sousa Santos, Dario Pignotti, Eric Nepomuceno, Emir Sader, Erminia Maricato, Flávio Aguiar, Francisco Carlos Teixeira da Silva, Francisco Fonseca, Ignacio Ramonet, José Luís Fiori, José Roberto Torero, Laurindo Leal Filho, Leonardo Boff, Marcio Pochmann, Maria Inês Nassif, Mauro Santayana, Martin Granowsky, Michael Löwy, Pascual Serrano, Paolo Gerbaudo, Paulo Nogueira Batista Jr, Raquel Rolnik, Reginaldo Nassar, Samuel Pinheiro Guimarães, Saul Leblon, Theotonio dos Santos Júnior, Venício Lima, Wanderley Guilherme dos Santos, entre outros.

Atualmente, a Carta Maior é reproduzida por uma centena de veículos informativos de entidades e organizações sociais e acadêmicas. Mantém parceria com uma série de publicações no Brasil, Europa e América Latina, entre elas os jornais Página/12 (Argentina), La Jornada (México) e El Telégrafo (Equador).

Especializada em temas como direitos humanos, meio ambiente, política, economia e movimentos sociais, um dos principais patrimônios informativos, em função mesmo de sua origem, é o processo do Fórum Social Mundial e de integração da América Latina. Produzimos uma média de 200 matérias por FSM e cerca de 50 nos fóruns temáticos, regionais e preparatórios. Ao longo destes últimos dez anos, fomos constituindo aquele que seja possivelmente o maior acervo de vídeo e texto relativo ao processo FSM. A maior parte destes textos está publicada em português, inglês e espanhol.

Temos a convicção de que a tarefa de democratização da mídia não pode se restringir à esfera nacional. Afinal de contas, um verdadeiro processo de integração latino-americana passa, entre outras coisas, pela construção de uma rede de comunicação que ajude a diminuir as distâncias entre nossos povos e culturas e mostre a natureza comum de muitos dos problemas sociais que caracterizam nosso continente. Essa é uma de nossas agendas estratégicas.

Fonte: Carta Maior (03/11/2014)

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.