Entrevista com Karol Conká
Por Mariana Desidério
” AS MULHERES CHEGAM, RIMAM, E ‘DIVAM’ NO RAP”
Rapper curitibana fala sobre música brasileira, machismo, filhos e padrões de beleza
Karol Conká é uma das principais representantes do rap feminino no Brasil. Suas músicas têm uma batida forte e mistura de ritmos, aliadas a letras contundentes. A MC conversou com o Brasil de Fato SP durante uma de suas visitas a São Paulo para divulgar “Batuk Freak”, seu primeiro disco.
Uma das suas músicas diz que você veio do gueto e não vai esquecer o que viveu. Quais são essas origens?
Eu sou de Curitiba, do Alto Boqueirão, periferia, condomínio de Cohab.Fui criada pela minha mãe e pelo meu pai. Tenho só um irmão. Meu pai era alcoólatra, morreu aos 34 anos. Minha família é bem simples. Eu sempre quis fazer alguma coisa, sempre quis buscar a prosperidade. E lá na minha vila o povo estaciona.
Como assim?
O pessoal fica parado nas esquinas, usando uma “droguinha”. As meninas engravidam, têm filhos, casam e descasam. Eu via esse ciclo repetitivo e não me encaixava. Eu tenho um filho também, já casei e descasei. Mas eu não caí na depressão.
Depressão?
Porque rola uma deprê. O pensamento do pessoal da periferia muitas vezes é: você teve um filho e se fodeu, agora vai ter que ficar em casa engordando, fazer comida, passar, lavar, ser submissa… Eu nunca gostei muito disso. Isso aconteceu com todas as minhas amigas. Eu também tive um filho, mas consegui correr atrás das minhas coisas.
Você parece ser bem alegre.
Eu vim desse lugar e cresci vendo minha mãe na luta contra o alcoolismo do meu pai. Ela não sucumbiu e sempre esteve feliz, sorrindo, mesmo com aquela situação chata. Eu levo isso pra mim. Não vou esquecer de onde eu vim.
Como é fazer rap fora do eixo Rio-São Paulo? Você pretende sair de Curitiba?
Eu gosto muito de morar em Curitiba e sempre vou morar lá. Em algum momento, eu vou ter que vir para São Paulo. Eu já sinto essa necessidade, mas ainda fico lutando contra. Quando eu vim pra cá pela primeira vez, cheguei com medo. Achei que iam me dar uma esnobada. Mas sempre fui super bem recebida. No fim, descobri que sou a cara de São Paulo. Aqui é muito grande. Gosto de vir aqui porque nunca sei o que vou fazer e onde vou tocar. E aqui é muito agitado, as coisas não param.
O rap brasileiro tem a característica de apontar situações de desigualdade e racismo. Você procura manter isso no seu trabalho?
Parece que meus temas são sempre falar de alegria. Mas na verdade, tenho só duas músicas que falam de festa. Eu gosto de falar de problemas sociais. É importante para manter o povo na realidade. Se não o povo vai ficar naquele estereótipo dos gringos,usando olho de plástico e achando que a vida está bela. E não é assim.
Assim como o Criolo e o Emicida, você tem influências de outros ritmos. Você acha que o rap está mais flexível?
Sim. Parece que baixou um ar no rap e todo mundo começou a fazer assim. A gente vem de uma geração que ouvia muito várias coisas em casa e teve o peito de jogar pra fora. A gente não está fugindo, mas apimentando o gênero.
“ O PROBLEMA NÃO É ALISAR O CABELO, MAS FAZER PARA SER ACEITO”
A sua música “Marias” fala sobre ser mulher e negra numa sociedade com padrão de beleza de brancos. Por que resolveu fazer uma música sobre isso?
Nessa música, estou falando de mim. Da menina que alisa o cabelo e não vê solução. Eu alisava meu cabelo no colégio porque um menino uma vez me falou que eu tinha que ficar bonita. Eu tinha uns 10 anos. Comecei esse processo de alisamento. Eu me sentia meio estranha, porque era um processo chato para ser aceita no colégio.
Você acha errado alisar o cabelo?
O problema não é alisar o cabelo, mas fazer para ser aceito. Eu já coloquei mega hair loiro. As negras todas caíram em cima. Eu falei que era para mostrar que podemos fazer o que quisermos. Mas foi só uma crise capilar de seis meses..
Quando começou o seu interesse pela música?
Comecei a me interessar por música bem novinha, com seis anos. Fazia música de amor para o meu pai. E eu queria ser cantora de MPB porque eu só ouvia MPB e samba. Até que eu conheci o rap.
O rap sempre foi um gênero dominado pelos homens. Isso está mudando?
Continua sendo frequentado por homens. A diferença é que as mulheres estão se mostrando mais. Estão chegando com a cara e a coragem, sem precisar ter rabo preso, ser casada ou ter ficado com alguém para estar ali. As mulheres simplesmente chegam, rimam, “divam” e vão “divando”.
Existe machismo no rap?
Eu ignoro certas coisas, mas existe machismo. É um despreparo para receber a mulher. Algumas pessoas subestimam muito a mulher. Pensam: “Ela não vai conseguir dar conta”. Até hoje isso rola muito. É um despreparo, que vem do machismo, de achar que a mulher não vai conseguir.
Fonte: Brasil de Fato e Youtube