O material jornalístico produzido pelo Estadão é protegido por lei. Para compartilhar este conteúdo, utilize o link:http://cultura.estadao.com.br/noticias/musica,quando-o-rock-nacional-tinha-voz-na-politica,1547867O material jornalístico produzido pelo Estadão é protegido por lei. Para compartilhar este conteúdo, utilize o link:http://cultura.estadao.com.br/noticias/musica,quando-o-rock-nacional-tinha-voz-na-politica,154Quando o rock nacional tinha voz na política
Júlio Maria
Em tempos de eleições, é bom lembrar que as bandas nacionais podem não ter mudado o mundo, mas incomodaram muita gente
Se nos anos 70 os atiradores de elite só podiam disparar por trás das barricadas criadas com poesia e metáforas, na década seguinte eles foram para o front. Mais distantes do AI-5 de 1968 do que a MPB de Geraldo Vandré e Chico Buarque, bem mais próximos da abertura política e das Diretas Já!, a geração dos meninos que criaram as estruturas mais firmes para a existência de um rock nacional sentiu o peso do engajamento. A era de atuação política mais visível na música brasileira girou em torno de um punhado de bandas sobretudo cariocas, paulistas e brasilienses que, há 30 anos, acreditaram que poderiam mudar se não o mundo, ao menos o seu País.
Os Paralamas do Sucesso bateram nos “300 picaretas do Congresso” apontados por Lula, em 1995, oito anos antes de o ex-metalúrgico se tornar presidente da República. A música 300 Picaretas espancava o que havia sobrado de moral nos políticos envolvidos no chamado Escândalo do Orçamento. Um dos versos dava nome aos bois: “Papai, quando eu crescer, eu quero ser anão / Pra roubar, renunciar, voltar na próxima eleição / Se eu fosse dizer nomes, a canção era pequena / João Alves, Genebaldo, Humberto Lucena / De exemplo em exemplo aprendemos a lição / Ladrão que ajuda ladrão ainda recebe concessão / De rádio FM e de televisão / Rádio FM e televisão… Luiz Inácio falou, Luiz Inácio avisou.”
Apenas três anos depois de Luiz Inácio assumir a presidência ao som de 300 Picaretas tocada ao vivo, e de os Paralamas receberam o título de Cidadãos Honorários de Brasília, os ânimos do rock sofreriam um novo golpe. O mesmo partido que contava com o apoio de grande parte da classe artística politizada pagava propina aos parlamentares para que eles votassem a favor de projetos do governo Lula. Os corredores de Brasília estavam contaminados pelo Mensalão. Sem o mesmo poder de fogo dos anos 80, o rock voltou ao combate com os Titãs, que lançaram Vossa Excelência. “Estão nas mangas / dos senhores ministros / nas capas / dos senhores magistrados / Nas golas / dos senhores deputados / nos fundilhos / dos senhores vereadores / nas perucas / dos senhores senadores…” O refrão era um desabafo: “Senhores! Senhores! Senhores! / Minha Senhora! / Senhores! Senhores! ; Filho da P…! Bandido! Corrupto! Ladrão! Senhores!”
O tempo não parece vencer canções que preferiram não citam nomes. Em 1978, Renato Russo escreveu o mais regravado dos libelos, Que País É Esse, que a Legião Urbana só lançaria em 1987. “Nas favelas, no Senado / Sujeira pra todo lado / Ninguém respeita a Constituição / Mas todos acreditam no futuro da Nação”. A censura ainda tinha garras longas o suficiente para impedir que Que País é Este e as faixas Faroeste Caboclo, Conexão Amazônica e Mais do Mesmo fossem tocadas nas rádios.
Sem citar um fato específico, o Ultraje a Rigor parecia citar todos os fatos ao mesmo tempo ao lançar Inútil, em 1985 (um EP havia sido lançado dois anos antes com Mim Quer Tocar do outro lado) – primeiro ano da era José Sarney depois de seis nas mãos do último general, João Baptista Figueiredo. Inútil, em sua mescla de crítica política e autocrítica social, soa com uma contemporaneidade de estremecer: “A gente não sabemos escolher presidente / A gente não sabemos tomar conta da gente / A gente não sabemos nem escovar os dente / Tem gringo pensando que nóis é indigente / Inútil, a gente somos inútil…” “A gente faz música e não consegue gravar / A gente escreve livro e não consegue publicar / A gente escreve peça e não consegue encenar / A gente joga bola e não consegue ganhar.”
Júlio Maria é colunista de Cultura dO Estadão
Antigamente era difícil você bater de frente contra o sistema, época de ditadura. Mas existiam bandas muito boas, hoje em dia temos mais liberdade, mas é tanta coisa ruim.
Eu entendo que ainda existam muitas bandas boas, produzindo músicas boas e de alto conteúdo político, mas elas não aparecem na mídia, não tem repercussão em muitos lugares.As bandas dos anos 1970, 1980, 1990, 2010 faziam músicas de boa qualidade, algumas ainda fazem. Entretanto, parece que as bandas que prevalecem são aquelas que fazem músicas para consumo rápido, letras sem profundidade e desprovidas de caráter crítico.
Com certeza. Muitas pessoas, sua grande maioria gostam de bobagens, coisas fúteis!