Vida e obra de Paulo Leminski na Caixa Cultural

Vida e obra de Paulo Leminski na Caixa Cultural

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Após passar por cinco cidades brasileiras, a mostra itinerante “Múltiplo Leminski” chega a São Paulo para apresentar a obra e vida do escritor curitibano Paulo Leminski (1944-1989). Composta por mais de mil objetos originais, entre fotos, livros, pinturas, poesias, vídeos e filmes, a exposição pode ser conferida na Caixa Cultural São Paulo, entre os dias 7 de março e 3 de maio, de terça a domingo, das 9h às 19h, com entrada Livre.

O acervo da exposição é resultado de anos de pesquisa e catalogação de toda produção de Paulo Leminski e busca revelar a multiplicidade do artista, que atuava não só na poesia, mas também era músico, compositor, romancista, tradutor, ensaísta, judoca e publicitário.

Leminski

A pororoca Leminski

A edição de “Toda Poesia” resgata a trajetória poética de um autor que encarnou os dilemas dos anos 1980 no país

Heitor Ferraz Mello

O nome de Paulo Leminski está relacionado a uma série de poemas curtos, nos quais humor e ironia estão presentes, como numa espécie de slogan de publicidade virado do avesso: ao anunciar, critica sub-repticiamente. Nas redes sociais, sua poesia circula com desenvoltura, como diziam velhos jornalistas. Arejam o cotidiano de muitos jovens leitores. No entanto, poucos, de fato, tiveram acesso em papel à obra do poeta. Não por desleixo, mas porque durante muitos anos seus principais livros estavam esgotados. Num giro por um site de sebos, um livro como Distraídos Venceremos chega a custar 100 reais; já o magro e grande Caprichos & Relaxos, lançado em 1983, pela coleção Cantadas Literárias, da Brasiliense, fica na casa dos 50 reais. Salgado.

Leminski certamente não devia ser um cara preocupado com contratos e outras formalidades da vida editorial. Era poeta e encarnava a persona. Tinha aquele jeito vibrante de falar, com frases bombásticas, assertivas, mas cheia de humor, como se pode ver em vídeos disponíveis no YouTube – ou mesmo no delicioso curta-metragem de Ana Maria Magalhães, Assaltaram a Gramática, de 1985, que reunia a nata da poesia brasileira dos anos 1970, onde ele aparecia num aeroporto e depois no balcão de um bar, com sua bigodeira e lascando um beijo ardente em Alice Ruiz, sua mulher.

Toda Poesia, que acaba de sair pela Companhia das Letras, vem resgatar sua trajetória, reunindo todos os seus livros de poemas, desde um primeiro, que combinava fotografias de Jack Pires e poemas seus, chamado Quarenta Clics em Curitiba, de 1976. Este livro não constava de Caprichos & Relaxos, que foi a sua primeira reunião e que teve o mérito, na época, de inseri-lo num mercado muito mais amplo (a coleção Cantadas Literárias, da Brasiliense, fez uma triagem da poesia e da prosa dos anos 1970, publicando, para um público maior, alguns autores importantes, como o próprio Leminski, Francisco Alvim, Chacal, Ana Cristina Cesar e tantos outros, muitos que até então publicavam apenas livros independentes e de tiragens pequenas, fora do grande mercado).

Mestiço curitibano

Deste primeiro livro ao último da coletânea, Winterverno, cujos poemas dialogavam com os desenhos de João Suplicy, há uma curta, porém intensa trajetória poética. Curta, pois Leminski, como outros de sua geração, morreu muito novo, em 1989, aos 44 anos, de cirrose.

Ele se dizia um “mestiço curitibano”. Nasceu na capital paranaense, em 1944. “Minha família, do lado de papai, é de origem polonesa e do de minha mãe, brasileira, com a composição original tipo Gilberto Freyre. Português, negro e índio”, disse, em entrevista, em 1978.

Sua trajetória é de um menino prodígio das letras: escrevia poemas desde os 7, 8 anos de idade; aos 12, entrou para o mosteiro de São Bento, em São Paulo, permanecendo dois anos, onde tomou contato com a literatura clássica, não só lendo, como também traduzindo gregos e romanos, como Horácio. Como seu barato certamente não era virar monge beneditino, acabou saindo. E vamos encontrá-lo, poucos depois, em 1963, participando da “Semana Nacional de Poesia de Vanguarda”, em Belo Horizonte, onde conheceu o trio concretista, Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari. Em 1964 e 66, alguns de seus poemas foram incluídos na revista Invenção, “órgão oficial” dos concretistas. Selavase assim não apenas uma amizade, mas uma forte afinidade literária. Mas, como diz Tarso de Melo, no ensaio-biográfico “Minha vida é administrar papéis” (em Envie Meu Dicionário: Cartas e Alguma Crítica, organizado pelo poeta Régis Bonvicino), foi também neste período que surgiu outra diretriz fundamental à sua obra, o contato com o universo da contracultura, do hippismo e da tropicália. “Esse encontro, entre poesia concreta e tropicália, capricho e relaxo – nunca é demais lembrar que estas palavras são aqui usadas sobretudo num sentido leminskiano – Leminski chamava de pororoca, aludindo ao encontro de rios de correntes opostas”.

Foi ainda no final dos anos 1960 que o poeta começou a trabalhar com afinco no seu projeto de “romance-ideia”, Catatau, obra em que a invenção abre seu caminho, a partir de uma suposição, como ele mesmo escreveu: “E se Descartes tivesse vindo para o Brasil com Nassau, para a Recife/Olinda/Vrijburg/Freiburg/ Mauritztadt, ele, Descartes, fundador e patrono do pensamento analítico, apoplético nas entrópicas exuberâncias cipoais do trópico?”

Meia-volta vivencial

Esses antecedentes são importantes para entender o fermento inicial dessa poesia, com toda a sua inquietação, e que iria marcar o panorama poético do país a partir de 1983, quando saiu Caprichos & Relaxos, reunindo seus primeiros livros de poemas e incluindo o inédito que dava título ao conjunto.

Apesar do vínculo com os concretistas, ele injetou uma vitalidade no chamado rigor, numa espécie de “meia-volta vivencial” (para roubar um termo de José Guilherme Merquior, ao comentar poetas dos anos 1960), onde o “aqui e agora” passava a ser a referência. Como comentou o crítico uruguaio Eduardo Milan, em “Esboço a distância (o que aparece de longe, também nos textos): Leminski”, na fortuna crítica A Linha que Nunca Termina, organizada por Fabiano Calixto e André Dick, o poeta curitibano procurou uma “síntese entre a tradução que herdava e seu próprio caminho a seguir”.

É de Milan ainda uma outra definição bastante elucidativa desta poética: “Poemas de Leminski falam de Leminski como matéria que se faz e se desfaz, que se perde e se reencontra numa atitude algo gestual: desmanchar-me/ até que depois/ de mim/ de nós/ de tudo/ não reste mais/ que o charme”. Nesse caminho, há de se notar em vários de seus poemas essa posição que o poeta ocupa, uma espécie de lugar instável, sem velhas certezas, apenas com dúvidas e algum ceticismo.

Se não for forçar a mão, sua poesia, então, se divide em três momentos: o de formação, próximo às experiências concretistas; o da reunião Caprichos & Relaxos, onde pulsa uma relação debochada e irônica com o cotidiano; e a fase final, a partir do belo Distraídos Venceremos, onde confluem a concisão (com algo que vinha da publicidade e da canção popular), o apuro técnico (que entre outras vias vinha dos haicais, que ele tanto praticou ao longo da vida) e uma grande introspecção, mesmo que eivada de ironia desestabilizadora, na qual o “eu” é colocado em questão, mas um “eu” que balança entre o empírico e o lírico, o do homem e o do poeta enquanto uma construção.

Neste sentido, há em sua poesia, como nas letras de suas canções, como lembra José Miguel Wisnik, no texto “Nota sobre Leminski cancionista”, incluído ao fim desta edição de Toda Poesia, uma “oscilação irônica entre a grandeza e a desimportância, entre o menor e o enorme, a pretensão e o desconfiômetro, e adere a ela no interior de sua própria obra”.

A edição agora de Toda Poesia põe de novo para circular, em papel, esse conjunto de livros, que continuarão pedindo decifração e leitura de uma obra que, de alguma maneira, encarnou as contradições de sua época, principalmente a “pororoca” dos anos 1980 no Brasil.

Fonte: Catraca Livre e Revista Cult

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